quinta-feira, 17 de abril de 2014

PROCISSÃO DO FOGARÉU




Aleixo e Regina, Casa de Cora Coralina
Chegamos a Goiás Velho pouco depois do meio dia dessa quarta-feira e nos hospedamos na Pousada do Ipê, no Centro Histórico. O evento aconteceu ali perto. Almoçamos,   a observar alguns tucanos nas árvores enquanto ouvíamos os pássaros do bosque da pousada. Depois fomos dar uma volta e retornamos com doces da Dona Augusta. Há muito tempo não comia as flores de coco de minha infância e outras guloseimas tão cantadas pela Cora Poeta.

A Procissão do Fogaréu é um tradicional evento católico  que acontece na quarta-feira santa na cidade de Goiás. A procissão encena a prisão de Jesus Cristo e tem início à meia noite da quarta-feira santa, com a iluminação
Farricocos na Procissão do Fogaréu
pública apagada e ao som de tambores, à porta da Igreja da Boa Morte, na praça principal da cidade. Os penitentes, vestidos em indumentária especial e representando soldados romanos, seguem então para a escadaria da Igreja de N. S. do Rosário, onde encontram a mesa da última ceia já dispersa. Em seguida, avançam na direção da Igreja de São Francisco de Paula, que simboliza o Jardim das Oliveiras, onde se dará a prisão de Cristo. Este é representado por um estandarte de linho pintado em duas faces, obra do artista plástico oitocentista Veiga Valle.

Pousada do Ipê
A Procissão do Fogaréu foi introduzida em Goiás pelo padre espanhol Perestelo de Vasconcelos, em meados do século XVIII. A indumentária utilizada pelos penitentes caracteriza-se por uma túnica comprida  e por um longo capuz cônico e pontiagudo, guardando fortes semelhanças com as vestimentas que ainda hoje são comuns nas celebrações da semana santa na Espanha. Trata-se, com efeito, de um traje de origem medieval, o qual era costumeiramente utilizado por penitentes que assim podiam expiar seus pecados sem ter que revelar publicamente sua identidade.

Coreto antes do evento de ontem
Pessoalmente, não curto muito reviver o sofrimento passado. Uma vez comprei um filme para mostrar aos meus netos algo sobre a paixão de Cristo e não consegui nem assisti-lo inteiramente. Nunca vi tanto sangue e julguei desnecessário mostrar-lhes tanta crueldade! Mas fiquei emocionada com o espetáculo dessa procissão que acontece há 300 anos. Imaginem que os farricocos goianos fazem todo o percurso caminhando a pé e descalços sobre aquelas pedras de Goiás. As tochas são lamparinas com
Casas de Goiás Velho
hastes  e à base de querosene. O repórter na TV Anhanguera estava tão compenetrado e quase teve o cabelo queimado devido à aproximação. Valeu a viagem às raízes goianas! E o café da manhã da Pousada do Ipê é digno que qualquer monarca gastronômico.  Verdadeira delícia, muita fartura, tudo fresquinho. O atendimento também é excelente, só não funciona bem a internet. O responsável nos explicou que paga três provedores, mas a cidade fica entre morros e ainda não conseguiram superar as limitações. Bem, agora, de volta à Shamballa,  preparando-nos para acolher os netos brasilienses. Trouxe quitandas e doces de Goiás e vou preparar aquele almoço de Páscoa!

terça-feira, 8 de abril de 2014

CIDADE DE GOIÁS E A PROCISSÃO




José Araújo e Didi, 1940.
Primeiramente foram descobertas as Minas Gerais, de um lado, e as minas de Cuiabá, de outro. No século XVII havia a concepção renascentista de que os filões de metais preciosos se dispunham de forma paralela em relação ao equador. Isso iria alimentar a hipótese de que, entre esses dois pontos, também haveria do mesmo ouro.

Assim, foram intensificadas as investidas bandeirantes, principalmente paulistas, em território goiano, que culminariam tanto com a descoberta quanto com a apropriação das minas de ouro dos índios goiá, que logo seriam extintos mais rapidamente que o próprio metal. Aqui, onde habitava a nação Goiá, Bartolomeu
Didi, Letícia e Raul, 1980.
Bueno da Silva fundaria, em 1727 , o Arraial de Sant’Anna.

Pouco mais de uma década depois, em 1736, o local seria elevado à condição de vila administrativa, com o nome de Vila Boa de Goyaz, ortografia arcaica. Nessa época, ainda pertencia à capitania de São Paulo. Em 1748 foi criada a Capitania de Goiás, mas o primeiro governador, dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos, só chegaria cinco anos depois.

Com ele, instalou-se um Estado mínimo e, logo, a vila
Tia Mª Hermínia Araujo
transformou-se em capital da comarca. Noronha mandou construir, entre outros prédios, a Casa de Fundição, em 1750, e o Palácio que levaria seu nome - Conde dos Arcos -, em 1751. Até hoje eu me emociono a cada vez que visito esse local!

Décadas depois, outro governador - Luís da Cunha Meneses, que ficou no cargo de 1778 a 1783, criou importantes marcos, fazendo a arborização da vila, o alinhamento de ruas e estabelecendo o primeiro plano de ordenamento urbano, que delineou a estrutura mantida até hoje. Meus avós chegaram a Goiás na década de 20 do século passado!

Com o esgotamento do ouro, em fins do século XVIII, Vila Boa teve
Vovó Magdalena
sua população reduzida e precisou reorientar suas atividades econômicas para a agropecuária, mas ainda assim cultural e socialmente sempre esteve sintonizada com as modas do Rio de Janeiro, que era a capital do Império. Daí até o início do século XX, as principais manifestações seriam de arte e cultura, com sarais, jograis, artes plásticas, literatura, arte culinária e cerâmica, além de um ritual único no Brasil, a Procissão do Fogaréu, realizada na Semana Santa.

Entretanto, a grande mudança, que já vinha sendo ventilada há muito tempo, foi a transferência da capital estadual para Goiânia, nos anos trinta e quarenta, coordenada pelo então interventor do
Vovô João A. Araujo
Estado, Pedro Ludovico Teixeira. De certa forma, foi essa decisão que preservou a singular e exclusiva arquitetura colonial da Cidade de Goiás. Meu tio Venerando de Freitas Borges seria o primeiro prefeito da nova capital!

Às 0h da quinta-feira da Semana Santa, os postes de luz do Centro Histórico da cidade de Goiás se apagam. Ao som de tambores e à luz de tochas, tem início a Procissão do Fogaréu.

Tradição na cidade desde 1745, o ritual simboliza a procura e a prisão de Cristo. Cerca de 40 homens encapuzados, os farricocos, que representam os soldados romanos, carregam as tochas enquanto um coro entoa cantos em latim.

Farricocos, procissão Fogaréu
A procissão é acompanhada por aproximadamente 10 mil pessoas. Ela parte do Museu de Arte Sacra da Boa Morte, passa pela Igreja do Rosário (representando o local da última ceia) e chega até a Igreja de São Francisco de Paula, que faz o papel do Monte das Oliveiras, onde Cristo foi preso. A partir daí, o estandarte com a imagem de Jesus é carregado por um dos farricocos, simbolizando sua captura. A cerimônia dura cerca de uma hora.  E este ano vamos prestigiar esse evento!

terça-feira, 1 de abril de 2014

DAR PRESENTE OU SER PRESENTE!?




Aleixo e Regina, 17.09.2010
Minha neta Juliana fez cinco anos recentemente e ganhou muitos presentes, sobretudo, brinquedos, tão apreciados pelas crianças. Tiveram que guardar alguns pacotes e ela comentou com a vizinha Ângela que lhe fazia companhia na ausência da mãe hospitalizada: “pra que tanto brinquedo, tia? Nem consigo brincar com tudo isso... E tem tanta criança que não tem nenhum”!

Nos tempos atuais o maior dilema dos pais é dar presente ou ser presente... Sentimentos como o amor, o apego saudável, a aprendizagem de valores sólidos, tudo isso se aprende convivendo, trocando experiências, olhares e cheiros. Partilhando as refeições, conversando sobre os acontecimentos do dia, levando o cachorro para passear até a toca da coruja ou observando as plantinhas
Matheus com Astro, na Shamballa
dormideiras do caminho, porque ainda temos o privilegio de estarmos junto à natureza...

Dinheiro é bom, mas amor é melhor ainda. Educar amorosamente implica muito trabalho dos pais ou responsáveis. Não basta seduzir os filhos com presentes, fazer ameaças de castigos descabidos como suposta fonte de controle, fazer negociatas em troca de um bom comportamento de fachada. Não dá para arrastar a criança numa sessão de compras pelo shopping center lotado e exigir que ela fique boazinha porque os pais têm outros objetivos em vista...

Juliana com Kei-Ra, na chácara
Não adianta querer que a criança se alimente corretamente, se os pais nem  se sentam à mesa, tampouco convidam as crianças para participarem do ritual de comprar e preparar os alimentos que serão servidos à família. O que realmente caracteriza estar presente na vida das crianças é a concreta disponibilidade, o interesse, o investimento da boa vontade naquela vida em formação!

Os pais podem ser o presente na vida dos filhos!  E um
Aleixo com Juju, em BSB
pai/mãe que for significativo, afetivo e efetivo no exercício do seu papel pode se preocupar menos com presentes materiais. Nada nessa vida substitui o carinho, a atenção na hora certa, o compromisso com valores maiores, esses e outros sinais da amorosa presença parental...

O melhor presente que alguém pode dar a uma criança, seja filho, neto, sobrinho, afilhado ou aluno, é generosamente doar seu tempo, esforço, sua energia,
Nora e neta do Aleixo
manter os ouvidos atentos e o bom humor junto às crianças.

Não dá para disfarçar o brilho nos olhos do adulto que não se furta ao seu papel e tampouco no olhar da criança que se beneficiou do melhor dos presentes de sua infância: o amor responsável e sólido de quem a acolheu, com a clara disposição de aprenderem e crescerem juntos...