quinta-feira, 9 de julho de 2015

ARRUDA


Maluba e eu, 2015.
Gosto do cheiro da arruda. Quando era criança minha mamãe nos levava a uma velhinha benzedeira que nos batia amorosamente com galhinhos de arruda e lembro-me ainda do cheiro que aprendi a amar. Miraculosamente, a gente sarava do quebranto, como dizia minha genitora...
Eu soube que a arruda ficou famosa por atuar contra o mau-olhado e outras vibrações negativas. Não se sabe quando a arruda ficou conhecida como erva protetora. Mas, em culturas antigas, são encontradas referências sobre seus poderes contra as más vibrações e seu uso na magia e
Aleixo, eu e Brasigóis Felício.
religião. Na Grécia antiga, ela era usada para tratar diversas enfermidades, mas seu ponto forte era mesmo contra as forças do mal. As mulheres romanas costumavam andar pelas ruas sempre carregando um ramo de arruda na mão para se defenderem contra doenças contagiosas, mas, também, para afastar todos os males que iam além do corpo físico incluindo possíveis crenças em feitiçarias, mau-olhado, sortilégios, entre outros.
Na Idade Média, época em que se acreditava que as bruxas só poderiam ser destruídas com grandes poderes como o
Sonia, Clélia, mamãe, Junior, eu, 98.
do fogo, os ramos de arruda eram usados como proteção contra as feiticeiras e, ainda, serviam para aspergir água benta nos fiéis em missas solenes.  Aliás, o uso dessa planta nas práticas mágicas do passado é impressionante. William Shakespeare, na obra Hamlet, se refere à arruda como sendo "a erva sagrada dos domingos". Dizem que ela passou a ser chamada assim, porque nos rituais de exorcismo, realizados aos domingos, costumava-se fazer um preparado à base de
Arruda na Shamballa
vinho e arruda que era ingerido pelos "possessos" antes de serem exorcizados pelos padres. Mas prefiro colocar alecrim no vinho que ingerimos no dia a dia!
Esse hábito atravessou séculos e fronteiras, pois dizem que no tempo do Brasil Colonial a arruda podia ser vista com frequência, então, associada aos rituais africanos. Naquela época, o galho de arruda era vendido como amuleto para trazer sorte e proteção. E não eram apenas as escravas que usavam os ramos da planta ocultos nas pregas de seus turbantes... As mulheres brancas
Matheus e Lucas, 2015.
colocavam o galhinho da planta estrategicamente escondido nos seios. Outro fator teria reforçado o valor da arruda naquela época: a infusão feita com a planta era usada como uma espécie de anticoncepcional e abortivo.
No século XVI, encontrou-se a recomendação de um dos primeiros botânicos da história para que monges e religiosos ingerissem a arruda, misturada aos alimentos e às bebidas, a fim de garantir a pureza e castidade. A verdade é que esta planta era realmente muito abundante nos jardins dos mosteiros.
Fábia e eu, 2003, EUA.
Uma substância chamada rutina é a responsável pelas principais propriedades da arruda. Ela é usada para aumentar a resistência dos vasos sanguíneos, evitando rupturas e, por isso é indicada no tratamento contra varizes. Popularmente, seu uso é indicado para restabelecer ou aumentar o fluxo menstrual e, também, para combater vermes. Como uso tópico, o azeite de arruda, obtido com o cozimento da planta, é aplicado para aliviar dores reumáticas. Seu aroma forte e característico, detestado por muita gente, é considerado um ótimo repelente, por isso a arruda é colocada em portas e janelas para espantar insetos.  Foi muito utilizada também em licores digestivos. Quando morei no sertão maranhense, aprendi a queimar arruda, pinga e açúcar em um prato e dar às crianças como xarope.
Juliana com  labradores.
Por incrível que pareça, a arruda também teve muita aplicação na culinária. Dizem que suas sementes e folhas eram usadas para enriquecer saladas e molhos, em virtude das boas doses de vitamina C contidas na planta. Seu uso era considerado uma defesa contra o escorbuto. Além disso, a planta também servia para aromatizar vinhos.

No sul da Europa, as raízes da arruda eram adicionadas a um tipo de bebida chamada grappa, para funcionar como um licor digestivo. Existe uma história muito curiosa - não se sabe se é verdadeira - que relaciona a arruda ao
Arruda florida
Vinagre dos quatro ladrões. Conta-se que no século XVII, a Europa padeceu com uma grande peste que dizimava centenas de pessoas por semana. Ninguém conhecia a causa da doença e muito menos a cura. Grandes cruzes vermelhas eram pintadas nas paredes para marcar as casas de pessoas atacadas pela praga. Alguns ladrões, porém, pareciam completamente imunes: entravam naquelas casas, roubavam os mortos e não adoeciam. Muito tempo depois, descobriram como esses ladrões se protegiam - era com uma espécie de vinagre, preparado com arruda, sálvia, losna, menta, alecrim, lavanda, cânfora, alho, noz-moscada, cravo e canela; tudo bem misturado em um galão de vinagre de vinho...

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