segunda-feira, 21 de março de 2011

ALEIXO POR ELE MESMO


Aleixo Nuss, no lago das Cabanas dos Pirineus,
em 2003.
Conheci meu marido Aleixo bem no início de 2002. Eu havia morado em São Paulo por quatro anos para fazer o meu doutorado em literatura e estava de volta a Goiânia, sem conseguir terminar a minha tese.
Como estávamos distantes, trocamos muitas mensagens virtuais e a sua maturidade emocional me conquistou. Usamos o MSN e o Skype algumas vezes, mas ele não gostava muito e preferia visitar-me pessoalmente. Também fui vê-lo no Rio antes de nos casarmos. Em breve resolvemos nos unir e isto aconteceu há cerca de nove anos atrás, primeiramente numa igrejinha junto ao mar, em Saquarema, RJ, depois, aqui. Lembro-me de que quando voltávamos do cartório goiano, nosso carro estragou, chamamos o seguro e voltamos para casa dentro do corsa, em cima do reboque.
Arthur voando com papai Aleixo, 1981.
Arthur com sua filha Ana Helena, a netinha do Aleixo, 2010.











No início estranhei a convivência. Eu tinha estado  divorciada por mais de cinco anos e habituada a viver sozinha no meu apartamento. Mesmo na época de casada, meu ex ficava sempre fora e eu era bastante independente. Todavia, nosso relacionamento foi sendo construído aos poucos. Companheirismo, apoio mútuo, sinceridade, amor genuino, abençoado pelo cósmico, como eu sonhara. 
Aleixo e Regina, 2004.
Minha imaginação fez com que ele passasse a compartilhar experiências até então inusitadas para ele, como cursos acadêmicos ou holísticos, inúmeras viagens. Isso nos aproximou muito.
Com o tempo passamos a fazer a maioria das coisas em conjunto e nossa cumplicidade cresceu. Hoje, não consigo imaginar a minha vida longe de meu companheiro querido.
Falar do Aleixo daria um livro. Então, pedi que ele me repassasse pequena parte de sua autobiografia inédita que ele começou a escrever em 1972 e ainda não terminou. Então, vejamos, – Aleixo - por ele mesmo!

TÃO PERDIDO E, AO MESMO TEMPO, REALIZADO...

Aleixo, ainda no Rio, em 1969.
Tudo que estou escrevendo, apesar de ser impossível falar numa ordem cronológica e na íntegra, é mais como se fosse uma conversa, um desabafo, uma reflexão, quando se fala e se conta das coisas narráveis e inenarráveis de nossa vida pelas estradas trilhadas e não trilhadas. Saudoso, quem sabe, dos tempos que já se foram, aventureiros e inocentes, com muitos inícios, interrupções e fins.

A leitura dessa história, para muitos, nada vai significar, não passa de palavras, frases, que alguém escreveu sem um princípio, sem um meio, sem um fim. Não é um romance, um drama, uma ficção, uma autobiografia, é, talvez, tudo isso numa miscelânea. Porém, pode ser um pouco de cada, uma salada tal qual é a vida de todos nós, nessa imensa “floresta”, em sentido amplo, nesse nosso planeta Terra.

UMA HISTÓRIA QUE PODERIA SER LONGA

Aleixo e sua filha caçula - Bel - a fisioterapeuta
da família, em Natal, RN.  junho de 2010.
Essa história começou com o nascimento do menino “Lexin Maluquin” no mês de julho de 1941, enquanto a Europa fervilhava, levando a termo uma das mais horrendas histórias da humanidade. Sua história começou numa casinha de pau-a-pique coberta de sapê, à beira de um córrego chamado “Valão” da Capivara, pois até hoje existem algumas dessas habitações naquela região. Este córrego não é uma vala, e sim um riacho que deságua no Rio Muriaé, onde, por sinal, Lexin iria aprender a nadar e a pescar, em sua preparação para fazer suas notórias estripulias futuras.

Quando Lexin era criança a região da Capivara era bem movimentada pela produção de café, milho, feijão, arroz, entre outros. Como de costume na época, quando muito pouca coisa era industrializada, o berço de Lexin era rústico, feito de lascas de bambu trançado, pendurado por quatro cordas amarradas na travessa da casa, também construída dentro dos parâmetros ecológicos, como se classificaria hoje em dia, só que por falta de opções.

Aleixo, Regina e seu filho engenheiro - Otávio,
em 2003. 
Ele ficou pouco tempo no berço, logo que aprendeu a engatinhar já fugia pelo campo afora, não importavam as surras que levava das formigas, de marimbondos, abelhas e outros insetos... Sua gana pela liberdade era surpreendente, ele precisava ir, não importava para onde, segundo contam seus tios, tias e velhos conhecidos. Quando ele tinha uns dois ou três anos de idade era difícil achá-lo dentro de casa, sumia pelas matas virgens e campos. Suas experiências junto à natureza eram das mais variadas, melhor não entrar em detalhes. Sua mãe já nem se preocupava muito, tal era sua determinação em tomar suas próprias decisões. Por sorte, sobreviveu!


Aleixo em Ibadan, na Nigéria, em 1975.
Naquela época quase nada era comprado em lojas, ou melhor, nas vendas. Com exceção do sal e alguns temperos, tecidos rústicos de algodão para fazer roupas e outras pequenas coisas feitas pela sua mãe. Tudo era cultivado e pode-se dizer que as famílias viviam de maneira auto-sustentável. Ele era de porte franzino, mas de uma capacidade muito grande para inventar suas próprias diversões, os brinquedos que inventava eram dos mais variados, carrinhos puxados a besouros, arco e flecha, balanços de cipó, gangorras, entre outros.

Seus limites, nos primeiros anos de vida, era a floresta, em forma de ferradura, ao redor do sítio onde seus pais plantavam café, milho, feijão, entre muitas outras culturas de subsistência. Sua vida diária era movimentada, apesar de ser a única criança no sítio, seu pai trabalhava com muitos camaradas (trabalhadores) na lavoura e ele aproveitava para aprender coisas de adulto, sem descuidar de suas peraltices infantis. Cada pássaro, formiguinha, animalzinho silvestre e doméstico não escapavam da sua atenção, pois ele não tinha cerimônias, cada um tinha sua serventia: fosse como brinquedo, para suas experiências “científicas”, ou lá o que fosse....

CIDADÃO DO MUNDO
Aleixo e seu filho - engenheiro Arthur, no Rio, 2011.
Agora que Lexin já passou por todas as suas experiências da infância e até sabe escrever alguma coisa, deixemos que ele se apresente...

Minha origem familiar é complexa, apesar de uma simplicidade muito grande. Compreendo, agora, que desde muito cedo na vida me interessei pelas diversidades, sem ter jamais deixado de enfrentar as adversidades resultantes dessa minha maneira de ver o mundo. Cada um de meus avós tinha uma descendência diferente, um era judeu-germânico, outro afro-lusitano, outra espanhola e a outra só Deus sabe. Meu avô materno foi sempre nossa referência, ele era casado com a espanhola e toda a ninhada de filhos e netos sempre estiveram a distância de uma caminhada não muito longa ou um trote de cavalo da sede da fazenda, num local próximo de São João do Paraíso, no Norte Fluminense.

Aleixo, Regina, sua filha médica Fábia, genro Vaíte, cunhada Celina,
cunhados Tavinho e Clélia, em Araguari, dia 7 de novembro, 2010.
Carro era coisa raríssima na minha infância, mas meu pai chegou a possuir um Ford 29 que vivia mais quebrado do que rodando. Somente muito mais tarde é que começaram a circularem os jipes e outros tipos de veículos. Quando víamos um caminhão passar, até gostávamos de sentir o cheiro do combustível queimado, que ironia!

Aprendi a enfrentar as situações desde muito cedo na vida, logo que comecei a andar também comecei a dar trabalho a todos que me rodeavam ou eram rodeados por mim. Dizem que eu tinha o dom de sumir como se fosse por mágica. As coisas que eu fazia (sem comentários aqui) me deram o apelido de “Lexin Maluquin”, maneira “capialesca” de falar do norte fluminense, quase divisa de Minas Gerais, que omite muitos sons na fala, Ex.: os nh, lh, inversão de r/l/r, plurais somente nos artigos, etc. Ex.: momentin, filin, os home, as muié, carça, e assim vai. Contudo, o que era motivo de inibição no passado, motivo de exclusão em várias situações, com as novas concepções lingüísticas, esta identidade regionalizada passou a ser aceita e até incentivada, de certo modo, por profissionais liberais de muitas áreas, pois indica originalidade, o que é louvável, já que o que interessa é a comunicação efetiva de um grupo, que se danem os puristas. Abaixo as “aboborinhas”, viva as “abobrinhas”, verdinhas e sem agrotóxicos...

Aleixo e Regina, em Oxford, UK, setembro de 2010.
Quando eu tinha por volta de quatro anos de idade, dizem, o “meninin maluquin”, personagem, seria um anjo perto de mim, pois minhas peraltices eram das mais atrevidas, reais, arriscadas e inventivas. Meus primeiros anos de vida foram praticamente dentro de uma floresta, pois meu pai havia se casado com a filha de um fazendeiro que tinha quinze filhos e filhas. Para as filhas, ele queria genros capazes de desbravar matas virgens e plantar café, que era o que dava dinheiro na época; coisa que anos depois se tornaria inviável, devido à grande decadência da cafeicultura e o fim dos Barões do Café. Com meu avô, genro não tinha boa vida, tinha que trabalhar a terra, mostrar produção e renda, pois uma terça parte das colheitas comerciáveis era dele, em pagamento pela exploração de sua fazenda, que era dividida entre três regiões diferentes.
Aleixo, para primeira carteira de identidade,
no Rio, Brasil, 1964..
A vida era dura, mas ninguém tinha crise de pânico, depressão, ou lá o que seja que se tem hoje em dia, as doenças eram outras e os remédios também, o dono da farmácia era médico, nutricionista, psicólogo, conselheiro, e muito raramente prescrevia algo mais que não fosse uma poção para dor de barriga. Quem entendia um pouco de medicina natural, não tinha hora para atender seus pacientes, sem remuneração é claro, e isso era motivo de grande satisfação. Quantas vezes não saí com meu pai de madrugada, com chuva, pé na lama, para ver alguém doente, e já prescrever a poção. Minha curiosidade era bem maior que a necessidade do conforto, minha aptidão pela aventura sempre falava mais alto. Nossa vontade de brincar nos levava a extremos, brinquedos comprados eram raros, uma bola de borracha ou até mesmo uma de couro nos dava o direito de iniciar uma partida de futebol, escolher o time ou acabar com o jogo.

Aleixo, foto para carteira funcional, do MS&D,
na Austrália, em 1969.
Voltando às plantações, meu pai foi obrigado a arrancar os cafezais, deixando somente umas pequenas moitas para consumo e substituir por canaviais e pastagens para o gado ,pois, iniciava-se aí uma nova era. Meu avô manteve suas tulhas abarrotadas de café a granel, tal qual retirado dos pés e seco, sem saber o que fazer com ele. A agricultura de subsistência e diversificada fazia-se necessária, já que o café que rendia bom dinheiro a cada safra não mais poderia ser levado em conta. As compras subsidiadas pela safra do café minguaram, só podíamos, agora, com as dificuldades após a Segunda Guerra Mundial nos atingindo lá nos cafundós, contar com aquilo que podíamos plantar e colher para comer e alimentar quem nem tinha onde plantar. Meu avô, então, não cobrava mais um terço de nada, começou a distribuir café para quem fosse lá retirar das tulhas (hoje resta uma apenas, pois meus tios, que ainda vivem, e primos, mudaram de vida). Salvos alguns casos, a grande maioria dos 63 primos de primeiro grau passou a ter atividades variadas, parte na agricultura e parte como profissionais liberais.

Aleixo, na noite de gala, em sua primeira
viagem de navio, a bordo do P& O, de
 Sydney a London, 1970.
Eu, claro, tinha boa vida, até onde andar descalço na terra quente para ir a uma escola distante pode ser considerado assim. E, também, as várias atribuições rotineiras, como tratar dos animais etc. Já havia sido, então, batizado de “Lexin Maluquin” pelos “camaradas” da fazenda (trabalhadores que naquela época já tinham procurado emprego em outros lugares) na região do norte fluminense, onde o mineirês é até hoje muito bem empregado com as influências “capiauenses” próprias e demais interferências culturais. O tempo, as informações, as leituras de mundo, entre um mundo infindável de outros fatores, foram fazendo de “Lexin” um sonhador com vôos mais altos e mais distantes, de forma que, para encurtar a história, vou pular daí para o Rio de Janeiro, para a Austrália, a Inglaterra, a África do Sul, a Nigéria, Angola e Portugal. Países em que tive a oportunidade de trabalhar e estudar um pouco sobre a suas culturas.

Aleixo e Regina, em Londres, 4.9.2010,
Aos treze anos de idade, não mais via graça na vida rural. Queria conhecer o mundo. Conhecer o mar, uma grande cidade. Meu pai, após muita insistência minha, levou-me para morar no Rio de Janeiro. Meu avô perguntou: vai levá-lo para aprender a ser ladrão? As oportunidades para isso não faltaram, mas pergunta de meu avô sempre se repetia na minha mente e, graças a ela, acho, escapei. A situação financeira era difícil. Fui morar na casa de um tio e tive que trabalhar de ciclista entregador de uma farmácia, não me agradou. Arranjei um emprego de auxiliar de sapataria em Copacabana, deu para levar, o tempo foi passando, comecei a estudar numa escola noturna. Veio a época de servir o exército, dureza, aprontei bastante, mas consegui sair na última baixa, após 15 meses de serviço à Pátria. 

Filhão Arthur e neta Leninha, em Natal, 2011.
Terminei o serviço militar, empreguei-me num laboratório farmacêutico como manipulador e tive várias promoções após terminar o segundo grau. Chegava a hora de ir mais longe, surgiu a Austrália como opção viável e, assim, outras oportunidades.
Lá fui eu para Sydney, no meu primeiro vôo em um aparelho 707, da Lufthansa. Posso dizer, hoje, que foi uma verdadeira viagem indianajonesca, pois paramos no Senegal, na Suíça, na Alemanha, na Grécia, no Iraque, na Índia, em Cingapura etc, etc, até chegar a Sydney, na Austrália uns três dias depois.
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2 comentários:

  1. oi regi,
    pede o aleixo pra liberar o segundo capítulo. achei muito interessante o início. Se eu fosse ele, continuaria com o apelido, tirando o maluquinho, naturalmente.
    Beijo
    clélia

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  2. vou pedir a ele! Obrigada por acompanhar o blog! Bjs

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