sábado, 11 de fevereiro de 2012

LEXIN MALUQUIN


Aleixo Nuss de Oliveira, 1964.
Pedi a Aleixo que falasse um pouco de si mesmo e ele me entregou este texto que é um olhar resumido de seus primeiros anos de vida. Essa história começou com o nascimento do menino Lexin Maluquin no mês de julho de 1941, enquanto a Europa fervilhava, levando a termo uma das mais horrendas histórias da humanidade. Ele nasceu numa casinha de pau-a-pique coberta de sapê, à beira de um córrego chamado Valão da Capivara, pois até hoje ainda existem alguns desses animais na região. A denominação “valão” nada tem a ver com vala, é apenas o termo usado para indicar pequenos córregos ou riachos da região. Nesse riacho, que deságua no Rio Muriaé, ele logo iniciou sua preparação para fazer suas notórias estripulias futuras, antes de se aventurar no próprio rio que fica a uns dois km de onde ele nasceu e viveu de pés no chão, parte de sua infância.

Avós maternos do Aleixo: João Nuss
e Benedecta Ximenes.
O berço de Lexin era rústico, feito de lascas de bambu trançado, forrado com uma pequena esteira de taboa, pendurado por quatro cordas amarradas numa das travessas da casa, também construída dentro dos parâmetros ecológicos, como se classificaria hoje em dia. Ele ficou pouco tempo no berço, logo que aprendeu a engatinhar já fugia pelo campo afora, não importava com as surras que levava das formigas, marimbondos, abelhas e outros bichos. Sua gana pela liberdade era surpreendente, ele precisava ir, ir, ir, não importava para onde, segundo contam seus tios, tias e velhos conhecidos. Quando Lexin tinha uns dois ou três anos de idade era difícil achá-lo dentro de casa, sumia pelas matas virgens e campos. Sua mãe já nem se preocupava muito, tal era sua determinação em tomar suas próprias decisões. Não se sabe como sobreviveu.

Aleixo com colega, em Sidney, Austrália, 71.
Lexin não tinha brinquedos comprados, quando muito uma bola de borracha, mas tinha todos os brinquedos que a natureza lhe oferecia ou eram tomados por ele como tal, nem vale a pena listar, pois eram muitos. Por exemplo, cachorros, gatos (em especial o gato Simão, que era valente, enfrentava toda a cachorrada e saia vencendo e, além disso, ajudava Lexin a pescar). Estava sempre acompanhado de seu cachorrinho branco e preto com uma mancha sobre um dos olhos, que atendia pelo nome de Tomix, caçavam juntos, literalmente. Tinha o cavalo Pombinho (se Lexin caia dele, pois sempre andavam aos galopes, parava e voltava para esperar ser montado novamente) e daí por diante, eram coniventes e não ligavam para os parentes que criticavam as galopadas.

Aleixo no navio saindo de Sidney
para a África do Sul, 1971.
Sua energia para fazer coisas era quase que inesgotável e, assim, começava a participar um pouco dos afazeres: ajudava a colher café, arroz, tocava os bois no engenho etc, mas nada era muito sistemático, suas atividades próprias não podiam ficar esquecidas e ele simplesmente desaparecia da visão dos adultos e aprontava todas... Lexim não sabia viver sem uma parte do corpo ferida, principalmente joelhos, tornozelos, canelas, dedos das mãos e dos pés. Suas experiências eram amplas e irrestritas, mesmo as jararacas, caninanas e outras cobras jamais conseguiram pegá-lo, ele as via antes ou no ato do ataque e pulava fora, matando-as quando lhe davam chance. Que saudade daquilo que eu tão pouco valorizava na época...

Aleixo consertando linha telefônica
Quase nada era comprado em lojas, ou melhor, vendas, com exceção do sal e alguns temperos, tecidos de brim rústico (cáqui e azul para calças e um tecido xadrezinho mais fino de algodão para camisas). As roupas eram cortadas e costuradas pelas donas de casa, à mão, ou com máquinas de costura Singer ou Pfaff daquelas que tinham a felicidade de receber dos pais, como presente de casamento. Sua mãe fora uma das poucas que recebeu uma Singer nova, a qual existe até hoje em poder de sua irmã mais nova. Era um costume das famílias mais bem estruturadas. Mesmo na “rua”, como chamavam o pequeno povoado onde havia muitas casas de comércio, existia pouca variedade de artigos que pudessem interessar às crianças.

Aleixo e Regina, no Rio, 02.11.2011.
Lexin tinha na casa de seus avós maternos um mundo de conforto: como banho quente numa banheira em que ele tinha medo de ficar, pois a mesma era assentada sobre duas cabeças de urso de bronze; frutas das mais variadas do pomar; comidas diferentes; entre uma série de outras coisas que para ele eram especiais. Isto sem falar no movimento intenso de gente, tios, tias, trabalhadores, uma avó espanhola que não soltava de seus pés e ele tudo fazia para deixá-la tiririca da vida enquanto suas tias o adulavam e lhe aplicavam boas palmadas sempre que necessário, para o deleite de sua avó. Quando essa avó tentava pegá-lo, ele se enfiava debaixo de uma mesa gigante e começava a latir como um cachorro, aí a perseguição terminava, é claro, todos caiam na gargalhada.

Aleixo, Arthur, Regina, Lu e Otávio,
em BSB, 2003.
Quando Lexin era criança, a Capivara - região onde cortaram seu umbigo - era bem movimentada pela produção de café, milho, feijão, arroz, entre outros. Como de costume na época, quando muito pouca coisa era industrializada, sua primeira casa foi de pau-a-pique, chão batido e cobertura de sapê, a segunda, uns dois ou três anos depois, foi com baldrames de madeira, assoalho de tábuas de aroeira, cobertura de tabuinhas sobrepostas. A cozinha e a dispensa não podiam ter assoalho de madeira, pois o fogão era a lenha. Sua terceira e última casa, alguns anos depois, foi mais bem construída, seu pai contratou um carpinteiro e fez algo melhor, dentro dos padrões locais, mas de madeira com e paredes de pau-a-pique e rebocadas e caiadas é claro. Tinha até um alpendre com madeiras trabalhadas, o que era um luxo para a região, até seu avô elogiou (e isto tinha um peso muito especial, afinal ninguém tinha, em toda a região, água corrente e quente na cozinha, na banheira e no chuveiro, para não falar em vaso sanitário, dentro de casa).

Aleixo, na Austrália, em 1969.
Não havia opções, assim a natureza oferecia as condições para que todos pudessem dela tirar tudo, ou quase tudo, de que precisavam para viver e progredir e todos viviam alegres e felizes. O trabalho rural era a atividade mais comum entre todos e o bom trabalhador era admirado e respeitado. Seu pai casou-se com a filha de um pequeno fazendeiro pelas suas habilidades como trabalhador rural, já que seu avô confiou a ele e a um dos seus irmãos alguns alqueires de mata virgem para desmatar e começar o plantio de café, cultivo que na época era o mais cobiçado pelos fazendeiros, tendo em vista o preço das exportações.

Tudo era cultivado e pode-se dizer que as famílias viviam de maneira autossustentável. Lexin era de porte franzino, mas de uma capacidade muito grande para inventar suas próprias diversões. Os brinquedos que inventava eram dos mais variados, carrinhos puxados a besouros, arco e flecha, balanços de cipó, gangorras, entre outros. Seus limites, nos primeiros anos de vida, era a floresta, em forma de ferradura, ao redor do sítio no qual seus pais plantavam café, milho, feijão, entre muitas outras culturas de subsistência. Sua vida diária era movimentada, apesar de ser a única criança no sítio, seu pai trabalhava com muitos camaradas (trabalhadores) na lavoura e ele aproveitava para aprender coisas de adulto, sem descuidar de suas peraltices infantis. Seus irmãos e primos chegaram mais tarde!

Aleixo e Regina, na Shamballa, 2011.
Cada pássaro, formiguinha, animalzinho silvestre e doméstico não escapavam da sua atenção, pois ele não tinha cerimônias, cada um tinha sua serventia: fosse como brinquedo, para suas experiências “científicas”, ou lá o que fosse... Suas observações eram bastante interativas, para ele gente e animais eram apenas diferentes fisicamente, ele achava que o homem sabia falar, se comunicava e se entendiam e que o cachorro latia e se entendia também, e assim por diante. Sua mãe nunca o convenceu de que eram as cegonhas que traziam os bebês... Lexin sabia muito bem como os bichos traziam os filhotes ao mundo...

Um comentário:

  1. Agradeço ao cósmico a bênção da convivência diária com Aleixo nos últimos dez anos! Juntos temos construído um verdadeiro relacionamento de crescimento em todos os sentidos, amor genuíno, sinceridade, troca...Que os anjos continuem nos abençoando com saúde, harmonia, discernimento, enquanto permanecemos neste orbe!

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